sexta-feira, janeiro 26, 2007

CAUBY E O MEU KINGKONG
Essa cena se passou no início dos anos 80, no auge do Circo Voador, mas vale a pena ser recontada, agora que a vida do próprio está sendo interpretada pelo ótimo ator Diogo Vilela, no palco do SESC Ginastico, aqui no Rio e deverá excursionar pelo Brasil e o exterior. Originalmente, essa história foi postada em setembro de 2002, no meu blog pessoal, o
Artimanhas, a propósito de um ótimo texto de Leonardo Lichote em O Globo (em 1983 ou 1984), quando ele narra com muita propriedade o modo que o Cauby se apossa do palco a cada gesto. E a propósito, eu sou testemunha da competencia do uso gestual do Cauby Peixoto.
A Simara, uma produtora amiga nossa, era a responsável pela produção de uma única apresentação no Circo Voador das duas maiores vozes do Brasil: o Cauby e a Angela, e me convidou para entrar no palco conduzindo o Cauby. Isto é, eu entraria de braços dados com ele, caminharia até a frente do palco e faria somente um gesto largo com os braços, significando a entrega do idolo ao seu publico. E ela, fã da Angela faria o mesmo com a cantora. Marcaçãozinha pobre, mas de grande efeito -- para nós.

Era praxe lá no Voador, sempre darmos um jeitinho de aparecer no palco ao lado dos nossos idolos. Mas nem sempre colava, e dependia muito do produtor do espetáculo ou do artista, mas como a gente era da casa sempre pintava uma chance.

Em homenagem à dupla de artistas, montei um caprichado visual anos 50 com direito a um bolerinho (casaquinho curto com mangas até os cotovelos) de pele de raposa argenté comprado num brexó. No dia do espetáculo, á tarde, fui apresentada aos dois, e ensaiei a minha entrada no palco com o Cauby. Tudo às mil.

Á noite, produzidissima, e me achando, chegou o grande momento. Cauby e eu atrás da cortina, tensa pela emoção de entrar no palco com o São Cauby , já escutava os berros das suas fãs. Nunca esquecerei o olhar estranho que ele me lançou antes de entrarmos, me olhando demoradamente da cabeça aos pés, sem dizer uma palavra. Nem parecia o mesmo cara amável e simpático do ensaio á tarde.

E quando abriu a cortina, no nosso segundo passo em direção á frente do palco, ele desvencilhou-se de mim com um simples gesto: levantou rápidamente os seus braços pelos cotovelos até a altura dos ombros, e com esse competente movimento o meu braço -- o que entrelaçava o dele, despencou lindamente ao lado do meu corpo, e eu fiquei atonita, parecendo uma anta paralisada. Depois da brusca dispensa da minha companhia, sózinho e saltitante, livre e solto, ele deu aquela famosa corridinha pelo palco, sendo ovacionado pelo seu público que lotava o Circo Voador.

E, quanto a mim, pagando um dos maiores micos da minha vida, saí rápida da cena, sorrateiramente, ladeando o fundo do palco em direção à saída para os camarins. Saí fugida pelos fundos do Voador, sem ver o show, e sem falar com ninguém para evitar qualquer comentário a respeito. Nunca mais nos encontramos, e até hoje eu não entendo porque ele aceitou a minha participação, e depois aprontou desse jeito. Também quem mandou eu topar a ousadia de querer dividir o palco por um minuto que fosse, e logo com o Cauby Peixoto!

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